Treinar qualquer time de
futebol é difícil. Seja ele time grande, pequeno, com muita ou pouca torcida
sempre há grande pressão de dirigentes, torcedores, mídia e, às vezes, até de
familiares. Álvaro Martins, 28 anos, é uma das grandes revelações da nova safra
de treinadores do futebol cearense.
Álvaro Martins é formado em
Ciências do Desporto pela FADEUP (Portugal) e Mestre em Treino de Alto
Rendimento pela FMH-UL (Portugal), com passagens pelo União (CE), Tiradentes
(CE), Ceará (CE) e atualmente no Floresta (CE) o jovem treinador tem feito
grandes trabalhos e campanhas por onde passou, sempre conquistando títulos e revelando
bons jogadores.
Sua melhor fase foi quando
esteve a frente do Sub-15 do Ceará Sporting Club em quase 2 anos de trabalho,
conquistando praticamente tudo das 9 competições disputadas, perdendo apenas 2
delas na grande final.
Atualmente, Álvaro se encontra
no comando da equipe Sub-20 do Floresta, onde trabalha com o coordenador de bases Reginaldo França,
assim que chegou, ambos traçaram um plano para captar e desenvolver jogadores
para montagem de uma equipe que vai enfrentar grandes desafios nas competições
que irão disputar.
BATE BOLA COM ÁLVARO MARTINS:
Fala um pouco sobre sua
formação e a trajetória no futebol. E como surgiu o convite para trabalhar no
Sub-20 do Floresta?
AM: Quando eu saí de Fortaleza
pra estudar bacharelado em esporte na USP e lá conheci o Bruno Pivetti, que
trabalhava no PAEC, que depois veio a se tornar o Audax. O Bruno Pivetti também
tinha estudado na USP e ele me recomendou que eu fosse para o Porto por um
Intercâmbio lá da faculdade e consegui esse intercâmbio. Fui pro Porto, morei 3
anos onde transferir a faculdade pra lá e me graduei em ciência do Desporto.
Quando eu acabei essa graduação fui fazer o meu mestrado na Faculdade de
Motricidade Humana de Lisboa, que é a mesma Universidade que o José Mourinho se
formou e comanda uma pós graduação. Defendi minha dissertação em 2019 e em
seguida retornei para o Brasil, aqui para Fortaleza. Tive uma passagem rápida
pelo União que me deu primeira oportunidade como treinador do Sub-15, pelo
Tiradentes como supervisor e depois como analista do Ceará em 2017, nesse ano
trabalhei o ano inteiro como analista. E comecei 2018 como treinador do Sub-15,
passei o ano todo e também 2019 como treinador dessa categoria. E no começo
deste ano eu optei por me desligar do Ceará, tinha outros planos, na verdade o
meu plano A era procurar uma vaga num time da Série A na base, mas surgiu o
contato do Floresta já no primeiro dia pra assumir o Sub-20 e ser auxiliar do
profissional também, dependendo das circunstâncias, e eu optei por isso logo de
cara, voltando a trabalhar poucos dias depois de ter me desligado do Ceará.
Você é formado em Ciências do
Desporto e Mestre em Treino de Alto Rendimento por faculdades portuguesas,
quais as diferenças da metodologia de ensino aplicada lá para a nossa aqui no
Brasil?
AM: As metodologias de ensino
vamos dizer, que elas são universais, porque o conhecimento ele é público ou
grande parte do conhecimento é público. Qualquer pessoa poderia aprendê-la.
Agora eles começaram mais cedo a ter uma noção do que é treinar em função do
que você quer desempenhar no jogo, tanto que Jose Mourinho foi um expoente
grande do futebol antes do Pep Guardiola. No começo dos anos 2000, o Mourinho
revolucionou bastante o futebol. Não sei se consigo dizer tanto em relação a forma
de jogar, mas com certeza de se defender e principalmente, a forma de treinar e
Portugal teve acesso a isso muito cedo.
Em Portugal já se tem contato com isso há muito tempo, e aqui a gente
demorou um pouco pra ter esse contato. Mas acredito que já alguns treinadores
já fazem essa idéia a bastante tempo e com certeza, todos os treinadores top no
Brasil trabalham dessa forma. Só que aí tem variações, tem gente que vai dizer
que trabalha mais baseado na periodização tática e outros vão dizer que utilizam
outros métodos, mas o fato é que o futebol já está muito tempo, inclusive no
Brasil trabalhando segundo uma visão sistêmica e que essa é a grande jogada.
Cada um vai ter as suas características próprias, mas são todas trabalhadas
dentro de uma visão sistêmica e nesse sentido está muito parecido. Diria que as
grandes diferenças têm mais relação das questões de mentalidade, de cultura, de
dedicação.
Como a formação dos técnicos
de futebol no Brasil está em relação à formação no exterior?
AM: Em relação a formação dos
técnicos, quem tem acesso às informações de top no Brasil está tão bem formado
quanto em Portugal, mas com relação aos outros países da Europa não tenho essas
informações. Infelizmente, nem todos os profissionais tem acessos as
informações e capacitações da CBF, UFV-MG, USP-SP, UNICAMP e UFRGS queira ou
não o Brasil é um país muito extenso e tem uma série de faculdades públicas e
privadas. E falando de forma geral, as faculdades públicas e privadas do
Brasil, ao tratar de futebol estão muito atrás das de Portugal, mas quando a
gente fala de casos específicos, onde as coisas tão muito bem desenvolvidas, a
formação é tão boa quanto como eu tinha falado na UFV-MG, nos cursos da CBF, na
pós-graduação de Viçosa, sendo que lá em Portugal praticamente todas as
universidades, seja em Lisboa, seja no Porto tem núcleos de futebol muito forte
em todas as faculdades de educação física e esporte, e aqui ainda não é uma
realidade no Norte, no Nordeste e em uma série de lugares pelo centro do país.
Qual tua referencia de
treinador para a tua carreira?
AM: Eu tenho vários, mas são
de âmbitos diferentes. Gosto muito da trajetória do Tiago Nunes, a forma como
ele vê o futebol e com as equipes dele jogam. Gosto bastante do Guardiola por
mais seja clichê, é um cara que trouxe muita coisa nova e uma forma de jogar,
José Mourinho pela capacidade vitoriosa e pelo lado humano, mas o treinador que
eu acho que realmente é um fenômeno em todos os sentidos do que o treinador
deve ser em termos de cobrança, de mudança de cultura, de adaptação, de
utilizar a psicologia de treino, para mim, um dos tops é o Bernardinho, não é
do mesmo esporte, mas tem competências semelhantes e é uma grande referência.
No profissional a vida de
treinador não é fácil, sabe-se que existe uma pressão muita grande tanto dos
dirigentes quanto dos empresários. Na base existe isso também e como lidar com
tudo isso?
AM: O futebol sempre tem
pressão e há influências de empresários, mas nunca senti tanto. Eu sinto mais a
influência dos empresários quando eles pegam o jogador e levam pra outro canto.
Agora, me falar pra jogar ou fazer uma oferta pra eu dar prioridade pra um
jogador nunca aconteceu comigo e também se acontecesse não iria aceitaria. Iria
fazer as coisas baseadas nas minhas idéias, portanto, não sinto essa pressão.
De dirigentes recebi pouquíssima pressão tanto no Ceará quanto agora no
Floresta, acho que isso é uma coisa que se nota mais em contextos que as
pessoas estão acima da expectativa, por exemplo, imagina eu com a minha idade
fosse para o profissional do Corinthians, ia sentir uma pressão tremenda,
porque estaria muito acima da expectativa do que eu deveria estar, mas se estou
no lugar que realmente é um lugar que eu mereço, eu não sei se eu sinto tanta
pressão de fora. Eu acho que eu sinto mais a pressão de dentro, de querer me
tornar melhor e aproveitar aquele tempo pra crescer e subir um degrau, estar
sempre me adaptando àquela situação. Se a pessoa sai muito do contexto ali do
que ela está preparada, ela acabará sentindo mais a pressão.
Em sua opinião, existe um
perfil de liderança ideal para o técnico de futebol?
AM: Não acredito que exista
perfil da liderança ideal da mesma forma como eu não acredito que existam
perfis, ideais ou perfis perfeitos de jogadores pra posições. A gente pode
discutir se o goleiro tem que ser fantástico com os pés, ou se deve ser muito
alto, a gente pode discutir se todo lateral que for jogar tem que ser muito
alto e forte ou ser um cara mais técnico. A gente vai discutir se o camisa 9
tem que ser um cara extremamente goleador e pouco móvel ou com mais
movimentação. Então o futebol extremamente democrático nesse sentido e eu
também acredito que seja democrático no sentido da liderança do treinador.
Em 2019 você esteve a frente
do Sub-15 do Ceará onde fez um grande trabalho conquistando títulos importantes
e com números expressivos nunca vistos nessa categoria. Qual o segredo e
métodos utilizados para tamanho sucesso das conquistas e de tantos resultados
positivos?
AM: Futebol não tem segredo,
quando fui ao Barcelona em 2013, eu acreditava que eu estava indo pra lá pra
ver o segredo para pegar o Santo Graal do futebol em termos de treino. E quando
eu cheguei lá, na verdade, eu vi que o que eles fazem é, entre aspas, normal,
talvez para começo dos anos 2000 não fosse e eles colheram os frutos ali no em
2008/2009, mas já depois de 2010, eu acredito que eles já não faziam nada de
extraordinário em termos de treino, e da mesma forma, eu não acho que a gente
fazia, em 2019, nada de fenomenal em termos de treino. O que realmente era
muito bom, era focar na qualidade dos nossos jogadores, acreditar que eles
podiam melhorar muito nos treinos, fomentar muito a liberdade, autonomia e a
responsabilidade dos jogadores no sentido de que eles podem ser livres o quanto
quiserem, desde que cumpram com uma série de critérios e obrigações. A gente
soube escolher os melhores dentro daquela geração, nós tínhamos jogadores
fantásticos, acho que na cidade inteira, pouquíssimos jogadores poderiam entrar
naquele grupo. Um trabalho unido e psicologicamente forte, uma comissão técnica
voltada pra isso, coordenação aceitando e gostando do processo. Não tem segredo, o bom e velho trabalho duro,
o trabalho certo e focado, dando autonomia e liberdade com protagonismo aos
jogadores.
Comenta um pouco das suas
conquistas e o legado deixado nos clubes aonde trabalhou.
AM: Temos algumas conquistas
ali no Ceará, se eu não me engano, jogamos nesses dois anos de sub-15, entre 8
a 9 campeonatos e só deixando de ganhar 2 que infelizmente foram estaduais. Mas
nesse sentido de conquista de vitória foi legal. Legado no sentido de
metodologias, critérios e regras, não deixamos, até porque não faz sentido o
treinador do sub-15 deixar isso, são questões que vem de cima. Mas eu acho que
a gente conseguiu deixar de principal legado foi a questão dos jogadores. A gente montou bons grupos e o objetivo do
trabalho da formação é esse: passar para o próximo treinador, bons jogadores,
jogadores que serão úteis para o clube num futuro de médio e longo prazo e
também a curto prazo. Já na próxima categoria. Jogadores com a mentalidade
forte, jogadores de qualidade, jogadores com contato humano, com a relação
legal de união e parceria.
Como o mercado do futebol vê
os profissionais que querem ingressar nessa área, mas que nãoatuaram como
atletas profissionais?
AM: Eu trabalhei com o Mazinho
Patrão e com Armando no Ceará e agora com o Fred e o Reginaldo no Floresta, mas
nunca senti nenhum tipo de discriminação por eu não ter jogado profissionalmente.
Eu acho que se eu tivesse jogado seria uma experiência a mais que eu poderia
usufruir para fazer melhor o meu trabalho. Não acredito que nenhum desses meus
coordenadores me olharam com uma má impressão por eu não ter sido jogador
profissional.
Fotos: Arquivo Pessoal / Ronaldo
Oliveira
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